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Por: redação Brazilian Will
03/06/2025, 06:00

Por Que Os Desenhos dos Anos 90 Marcaram Tanto?

1. Introdução – Por que ainda lembramos?

Você já se pegou cantando a música de abertura de um desenho que nem via há mais de vinte anos? Ou teve a sensação de voltar no tempo só de ouvir a palavra “Doug”, “TV Colosso” ou “Manchete”? Essa reação não é só nostalgia aleatória — ela tem explicação.

Para muitos adultos hoje na faixa dos 30 e 40 anos, os desenhos dos anos 90 não foram apenas entretenimento: foram parte essencial da infância. Eles estavam lá todos os dias, nos mesmos horários, nas mesmas emissoras, marcando uma geração inteira com histórias simples, músicas inesquecíveis e personagens que pareciam nossos amigos.

Mas por que, entre tantas produções ao longo das décadas, os desenhos dessa época deixaram uma marca tão profunda? A resposta está em um conjunto real de fatores: tecnologia, cultura, psicologia e contexto histórico — e é isso que este artigo vai mostrar.

Com base em estudos de memória afetiva (como o publicado em 2006 no Journal of Personality and Social Psychology por Constantine Sedikides e colegas da Universidade de Southampton), pesquisas sobre mídia infantil, e o cenário brasileiro da TV na década de 1990, vamos entender por que aqueles desenhos ainda moram na nossa cabeça — e no coração.

2. A televisão dos anos 90: Um palco coletivo

No Brasil dos anos 90, assistir desenhos era um ritual coletivo. A programação infantil ocupava longas faixas da TV aberta — de manhã à tarde — e era marcada por horários fixos e apresentadores carismáticos. Nomes como TV Colosso (Globo), Bom Dia & Cia (SBT), Clube da Criança (Manchete) e Disney Club (também SBT) eram parte da rotina de milhões de crianças.

Diferente do que acontece hoje, onde o conteúdo é sob demanda, quem cresceu nessa época assistia ao que passava, na hora em que passava — e isso criava um senso de simultaneidade. Se você via Cavaleiros do Zodíaco às 18h, outras milhares de crianças também estavam vendo, exatamente no mesmo minuto. Esse fenômeno se encaixa no conceito de “experiência cultural coletiva”, descrito pelo sociólogo francês Maurice Halbwachs como parte da chamada memória coletiva.

Segundo Halbwachs (1950), lembranças ganham força quando são compartilhadas socialmente. Ao vivenciar os mesmos conteúdos no mesmo contexto — escola, lanche, TV, brincadeiras — essas memórias se consolidam não só como experiências pessoais, mas como marcos geracionais.

Essa dinâmica explica por que tantos adultos da mesma faixa etária hoje se lembram dos mesmos desenhos, das mesmas músicas e dos mesmos bordões. A televisão dos anos 90 foi, de fato, um palco coletivo para a infância de uma geração inteira.

Mas o impacto não foi apenas coletivo. Justamente por haver poucos desenhos disponíveis, cada um deles se tornava mais especial para cada criança — um vínculo que ia além da tela. É isso que vamos explorar a seguir.

3. Menos opções, vínculos mais fortes

Com poucas opções disponíveis na televisão, cada desenho ganhava uma importância desproporcional na vida das crianças dos anos 90. Era comum assistir ao mesmo episódio várias vezes — e ainda assim esperar por ele com ansiedade. Não havia catálogo para escolher nem episódios para maratonar: o que passava era o que se via.

Essa repetição forçada, mas constante, gerava um vínculo afetivo profundo. Os personagens se tornavam parte da rotina diária, e suas histórias, por mais simples que fossem, se fixavam na memória com força surpreendente. Essa dinâmica é reforçada por um estudo clássico dos psicólogos Martin Conway (Reino Unido) e David Rubin (Estados Unidos), publicado em 1993 na revista Memory, que demonstrou como experiências repetidas durante a infância — especialmente quando envolvem emoção — tendem a formar memórias mais duradouras e vívidas na vida adulta.

Além disso, como os mesmos desenhos eram debatidos entre amigos na escola, imitados nas brincadeiras e esperados todos os dias no mesmo horário, criava-se um ciclo de reforço emocional e social. Isso ajudava a transformar o conteúdo visto na tela em experiências afetivas memoráveis.

Hoje, o cenário é o oposto. Com milhares de opções disponíveis a qualquer momento em plataformas digitais, o consumo é mais fragmentado e efêmero. Apesar da variedade, é raro que uma única produção ocupe tanto espaço na memória — ou no coração — quanto aqueles poucos desenhos que tínhamos à disposição nos anos 90.

4. A era da dublagem marcante

Um dos elementos mais inesquecíveis dos desenhos dos anos 90 no Brasil não vinha das imagens, mas das vozes. A dublagem brasileira teve um papel central na construção do vínculo emocional com esses personagens. Vozes como a de Wendel Bezerra (Goku, Bob Esponja) e Garcia Júnior (He-Man, Simba, Príncipe Eric) não apenas traduziram o conteúdo — elas deram identidade própria aos personagens no imaginário nacional.

Diferente de outras épocas ou países onde a dublagem era vista como acessória, o Brasil desenvolveu uma escola de dublagem que buscava entonações naturais, adaptações criativas e regionalismos sutis — tudo sem perder a essência do original. O resultado era que, muitas vezes, as vozes dubladas se tornavam mais conhecidas (e queridas) do que as originais.

Além disso, as músicas de abertura e os bordões tiveram papel fundamental na criação de memórias afetivas. Frases como “Pelos poderes de Grayskull!”, “Isso, isso, isso!” e “Kamehameha!” tornaram-se parte do vocabulário infantil da época. Já as canções-tema — traduzidas e cantadas por brasileiros — reforçavam ainda mais essa identidade local. Um exemplo marcante é a abertura de Cavaleiros do Zodíaco, que ficou tão icônica no Brasil que até hoje é cantada em eventos nostálgicos.

Esses elementos ajudaram a transformar os desenhos de fora em algo que parecia nosso. E essa sensação de proximidade, somada à repetição constante, contribuiu para fixar essas vozes, sons e frases como marcas permanentes na memória emocional de uma geração.

5. Temas universais, linguagem simples

Boa parte do impacto emocional dos desenhos dos anos 90 vinha da forma como suas histórias eram contadas. Mesmo em meio a lutas espaciais, castelos encantados ou escolas malucas, os roteiros abordavam temas universais: amizade, lealdade, coragem, perdão, erros e acertos do dia a dia. Esses valores eram transmitidos sem precisar de lições forçadas ou moralismos excessivos — estavam embutidos na jornada dos personagens.

Desenhos como Doug, Hey Arnold!, As Aventuras de Tintim ou mesmo os conflitos exagerados de Cavaleiros do Zodíaco tratavam de sentimentos reais: medo, rejeição, empatia, superação. E faziam isso com linguagem simples, direta e emocionalmente acessível, o que facilitava a identificação do público infantil.

Esses conteúdos favoreciam o chamado espelhamento emocional — quando a criança se vê nas situações vividas pelos personagens e passa a refletir sobre seus próprios sentimentos e escolhas. Esse tipo de identificação é coerente com o que o psicólogo Erik Erikson descreveu em seus estudos sobre o desenvolvimento infantil. Segundo ele, na infância, as crianças formam sua identidade ao observar e experimentar diferentes papéis sociais — algo que pode acontecer também ao acompanhar personagens fictícios com os quais elas se conectam emocionalmente.

Desenhos bem construídos oferecem esses modelos simbólicos de forma lúdica e espontânea, e isso explica por que tantos personagens se tornaram referências emocionais duradouras. Eles não ensinavam com discurso — ensinavam com exemplo.

6. Anos 90 e a explosão dos animes

Entre todas as transformações da televisão infantil nos anos 90, uma das mais marcantes foi a chegada massiva dos animes japoneses à TV brasileira. Séries como Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball e Sailor Moon não só apresentavam um estilo visual diferente, mas também uma estrutura narrativa e emocional que contrastava com os desenhos ocidentais tradicionais.

A estreia de Cavaleiros do Zodíaco na Rede Manchete em 1994 foi um divisor de águas. Pela primeira vez, crianças brasileiras acompanharam uma história contínua, com arcos complexos, batalhas dramáticas, personagens que sofriam e até morriam. A abordagem emocional era intensa: temas como sacrifício, lealdade, destino e honra eram tratados com seriedade, o que causava um impacto real nas crianças da época.

Dragon Ball e sua sequência Dragon Ball Z, exibidos inicialmente pelo SBT e depois pela Globo, seguiram o mesmo caminho: personagens cresciam, enfrentavam perdas e se desenvolviam ao longo de longas jornadas. Já Sailor Moon, também na Manchete, introduziu muitas meninas (e meninos) ao universo dos “sentai mágicos”, com protagonistas femininas fortes, temas de amizade e dilemas morais apresentados com sensibilidade.

Esses animes traziam também diferentes valores culturais — como disciplina, coletividade, superação e respeito a hierarquias — que, embora enraizados em outra realidade, foram assimilados e reinterpretados pelo público brasileiro. A estética, os conflitos mais sérios e o apelo emocional fizeram com que essas produções se destacassem profundamente em meio à programação infantil da época.

Mais do que modismos, esses títulos se tornaram fenômenos culturais. Seus personagens e trilhas sonoras continuam presentes na memória afetiva de muitos adultos — e representam um capítulo à parte na história da televisão dos anos 90.

7. A psicologia da nostalgia

Uma das razões pelas quais os desenhos dos anos 90 ainda despertam tanta emoção está ligada à forma como nossa memória funciona. Quando recordamos algo que marcou nossa infância, não estamos apenas lembrando de fatos — estamos revivendo sensações, ambientes e partes de quem éramos naquele momento. Esse processo é chamado de memória afetiva, e está diretamente relacionado à nostalgia.

Um estudo conduzido pelos psicólogos Tim Wildschut, Constantine Sedikides e colegas da Universidade de Southampton, publicado em 2006 no Journal of Personality and Social Psychology, investigou justamente esse fenômeno. Os pesquisadores concluíram que a nostalgia tem funções emocionais claras: aumenta o senso de pertencimento, reforça a autoestima e cria uma sensação de continuidade no tempo, especialmente quando associada a experiências marcantes da infância.

Isso explica por que a lembrança de um desenho específico — sua música de abertura, um bordão, a voz de um personagem — pode provocar uma sensação tão reconfortante. Quando nos conectamos com algo que foi importante na infância, revivemos parte de quem fomos, e isso fortalece nossa identidade atual.

Na fase adulta, esse tipo de memória atua como um ponto de estabilidade emocional. Não se trata apenas de saudade, mas de uma forma de reafirmar quem somos, de onde viemos e o que nos tocou em um tempo em que tudo parecia mais simples. Nesse sentido, os desenhos da década de 90 não são apenas lembranças — são marcos afetivos que atravessaram o tempo conosco.

8. Conclusão – Eles marcaram porque estavam conosco

Os desenhos dos anos 90 não marcaram apenas por serem bons ou divertidos. Eles marcaram porque estavam presentes no tempo certo, do jeito certo, para uma geração inteira. Chegaram em uma época em que a TV era o centro da vida infantil, quando não havia dispersão de atenção e cada programa fazia parte do cotidiano com força quase ritual.

Com roteiros simples e temas universais, vozes familiares e trilhas inesquecíveis, eles se fixaram na memória afetiva não apenas como entretenimento, mas como experiências emocionais compartilhadas. Foi a combinação de contexto histórico, limitações tecnológicas e intensidade emocional que os tornou inesquecíveis.

Não foi acaso nem exagero — foi contexto. Um tempo em que menos era mais, e o que era pouco, era vivido com profundidade. Hoje, quando lembramos daqueles personagens e músicas, não estamos apenas relembrando desenhos. Estamos visitando uma parte de nós mesmos.

E para você? Quais desenhos marcaram a sua infância? Conta pra gente nos comentários ou compartilha este artigo com quem viveu tudo isso ao seu lado.

Referências

Este artigo foi feito com base em estudos reais sobre memória e nostalgia, e em reportagens que contam a história dos desenhos exibidos no Brasil nos anos 90. Algumas das fontes consultadas:

  • Nostalgia e memória afetiva: Estudo de Wildschut et al. (2006), publicado no Journal of Personality and Social Psychologyver estudo
  • Memórias da infância: Teoria de Conway e Rubin (1993) sobre repetição e memória autobiográfica – ver artigo
  • Omelete. Sailor Moon S é a temporada definitiva da série. Publicado em 18 mai. 2022. Acessar
  • Dublagem brasileira: Entrevista com Wendel Bezerra sobre Goku – assistir no YouTube


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