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Por: redação Brazilian Will
23/04/2025, 06:00

O que o Dia Mundial do Livro Revela Sobre a Sociedade

Introdução

O Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, celebrado em 23 de abril, foi instituído pela UNESCO em 1995 com o objetivo de homenagear o livro como instrumento fundamental para a educação, a cultura e o desenvolvimento social. A data escolhida é simbólica: marca o falecimento de três grandes escritores — William Shakespeare, Miguel de Cervantes e Garcilaso de la Vega —, todos no mesmo mês de abril.

Mais do que uma simples celebração literária, o Dia Mundial do Livro lança luz sobre a relação entre a sociedade e o conhecimento. Ele revela nossos valores, nossas contradições e os desafios que ainda enfrentamos para garantir que a leitura seja um direito efetivamente acessível a todos. Refletir sobre essa data é, portanto, refletir sobre quem somos como sociedade.

1. A Origem Simbólica da Data: Entre Cervantes e Shakespeare

O 23 de abril foi escolhido como Dia Mundial do Livro em razão de sua forte carga simbólica: nesse mesmo período, faleceram figuras centrais da literatura mundial, como William Shakespeare, Miguel de Cervantes e Garcilaso de la Vega. Embora as datas exatas de morte possam variar dependendo do calendário utilizado (gregoriano ou juliano), o simbolismo permanece: abril é um mês que marca perdas irreparáveis para a cultura literária global.

Desde sua criação pela UNESCO, a escolha desta data serve como um lembrete da importância cultural da literatura na formação do pensamento crítico, da identidade cultural e da preservação da memória histórica. Celebrar o Dia Mundial do Livro é reconhecer que, por meio das palavras, gerações inteiras moldaram ideias, transformaram sociedades e desafiaram os limites da imaginação humana.

2. O Livro Como Espelho Social

O livro não é apenas um repositório de histórias; ele é, como observam pensadores como Pierre Bourdieu e Antonio Candido, um reflexo das estruturas sociais, dos conflitos e dos anseios de seu tempo. A literatura expressa tanto as tensões quanto os sonhos de uma sociedade, funcionando como um espelho de sua identidade coletiva.

O que uma sociedade lê diz muito sobre seus valores e suas prioridades. Atualmente, a ascensão de gêneros como autoajuda, fantasia e true crime indica tendências marcantes: a busca por sentido individual, a necessidade de escapismo em tempos de incerteza e o fascínio por narrativas que exploram a complexidade moral da realidade.

Observar os livros mais vendidos em cada época é, portanto, mais do que acompanhar o mercado editorial; é entender, em profundidade, os dilemas e aspirações de uma sociedade em transformação.

3. Desigualdade no Acesso à Leitura

Embora o livro seja celebrado mundialmente como símbolo de conhecimento e liberdade, o acesso à leitura ainda é uma realidade distante para milhões de pessoas. No Brasil, os dados revelam um cenário preocupante. Segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF) de 2022, cerca de 29% dos adultos brasileiros apresentam algum grau de analfabetismo funcional — ou seja, conseguem ler palavras e frases simples, mas têm dificuldade para interpretar textos mais complexos e realizar operações que exigem compreensão plena.

Além disso, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, mostra que mais da metade da população (52%) afirmou não ter lido nenhum livro nos últimos três meses. As principais barreiras apontadas incluem falta de tempo, falta de incentivo e falta de acesso a livros de qualidade.

Esses números revelam que, apesar das comemorações em torno do livro, a leitura ainda é um privilégio restrito para muitos. A exclusão literária reflete e aprofunda as desigualdades sociais, criando um ciclo onde o acesso limitado ao conhecimento compromete as oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional.

4. Ler na Era da Superficialidade Digital

A tecnologia transformou profundamente os hábitos de leitura. Com a popularização dos e-books e audiobooks, o acesso a livros se tornou mais fácil e imediato, democratizando a experiência literária de diversas formas. No entanto, essa revolução digital também trouxe desafios importantes para a maneira como nos relacionamos com a leitura.

Pesquisadores como Nicholas Carr, autor de The Shallows (2010), alertam para o risco da superficialidade cognitiva no ambiente digital. Estudos de comportamento demonstram que a fragmentação da atenção e o consumo rápido de informações, típicos da internet, podem comprometer nossa capacidade de realizar leituras profundas, críticas e reflexivas — habilidades essenciais para a construção do pensamento complexo.

Nesse contexto, o livro — físico ou digital — continua sendo um espaço de resistência à dispersão. Ele exige atenção concentrada, tempo dedicado e uma relação mais introspectiva com o conhecimento. Em um mundo marcado pela velocidade e pelo excesso de estímulos, manter o hábito da leitura profunda é um gesto que preserva a capacidade de análise, de empatia e de compreensão verdadeira.

5. A Leitura Como Ato de Resistência

Em um cenário global onde a desinformação, a intolerância e a polarização crescem, a leitura se torna mais do que um hábito cultural: ela se transforma em um ato de resistência. Incentivar a leitura é estimular a formação do pensamento crítico, o desenvolvimento da empatia e a construção da capacidade de discernimento — elementos essenciais para a convivência democrática e para a cidadania ativa.

Estudos apontam que sociedades com maiores índices de alfabetização e incentivo à leitura tendem a apresentar melhores desempenhos em indicadores de democracia, como o Democracy Index da Economist Intelligence Unit. A leitura amplia a visão de mundo, proporciona compreensão de diferentes perspectivas e fortalece a participação social consciente e informada.

Portanto, celebrar o livro não é apenas exaltar a literatura como arte; é também reafirmar o compromisso com uma sociedade mais livre, mais justa e mais crítica. Em tempos de excesso de ruído e informações fragmentadas, o hábito da leitura profunda se configura como uma verdadeira forma de preservação da autonomia intelectual.

Conclusão

O Dia Mundial do Livro é mais do que uma homenagem à literatura; é um convite à reflexão sobre a relação da sociedade com o conhecimento, a cultura e a liberdade de pensamento. Celebrar o livro é reconhecer seu poder de formar indivíduos mais críticos, mais sensíveis e mais conscientes de seu papel no mundo.

Em meio às desigualdades de acesso, aos desafios da era digital e à constante ameaça da superficialidade, o livro permanece como um símbolo de resistência e de esperança. Ele nos lembra que a transformação social começa na transformação individual — e que a leitura é uma das ferramentas mais poderosas para essa jornada.

Referências

  • UNESCO – World Book and Copyright Day (1995)
  • Pierre Bourdieu – As Regras da Arte (1992)
  • Antonio Candido – A Formação da Literatura Brasileira (1959)
  • Instituto Pró-Livro – Retratos da Leitura no Brasil (2020)
  • Instituto Paulo Montenegro – INAF (2022)
  • Nicholas Carr – The Shallows (2010)
  • University of California, Irvine – Pesquisas sobre atenção (estudo de 2005 e atualizações posteriores)
  • Democracy Index – The Economist Intelligence Unit (última edição de 2024)

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