Desvio de Função: Você Pode Ganhar Mais?
O Que É Desvio de Função?
Desvio de função ocorre quando o trabalhador é contratado para exercer uma determinada atividade, mas, ao longo do contrato, passa a desempenhar funções diferentes — geralmente mais complexas ou com maior responsabilidade — sem receber o salário correspondente. Embora a CLT não mencione expressamente o desvio de função, o tema é amplamente tratado pela jurisprudência com base no artigo 468, que veda alterações contratuais que acarretem prejuízo ao empregado, mesmo que haja consentimento.
É importante distinguir entre dois cenários distintos:
- Funções compatíveis: São aquelas atividades que, embora não estejam expressamente no contrato, guardam relação com a função principal, podendo ser exigidas pelo empregador. Nesses casos, não há direito a aumento de salário, pois tais tarefas são consideradas parte natural das obrigações do cargo.
- Desvio de função legítimo: Ocorre quando o empregado passa a exercer, de forma habitual, tarefas mais complexas, técnicas ou com maior grau de responsabilidade, pertencentes a um cargo diferente e melhor remunerado. Nessas situações, a jurisprudência reconhece o direito às diferenças salariais, mesmo que não haja promoção formal.
Quando o trabalhador passa a exercer esse novo conjunto de atribuições, com características distintas das previstas inicialmente, os tribunais consideram que houve uma novação objetiva do contrato de trabalho. Em outras palavras, o contrato foi alterado na prática, exigindo do empregador a devida compensação financeira.
Desvio de Função Dá Direito a Aumento de Salário?
Sim, desde que comprovado. O entendimento predominante nos tribunais trabalhistas é de que o desvio de função pode gerar o direito ao pagamento de diferenças salariais, mesmo que o trabalhador não tenha sido formalmente promovido ou reenquadrado. O que importa é a realidade das tarefas executadas, e não apenas o título constante no contrato.
Esse entendimento é reforçado pela Orientação Jurisprudencial nº 125 da SDI-I do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que estabelece:
“O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/1988.”
Ou seja, ainda que o cargo formal não tenha mudado, se o empregado passa a executar funções típicas de um cargo superior ao atual, o empregador pode ser obrigado a pagar a diferença salarial correspondente. Não se trata de uma promoção oficial, mas de uma compensação pela realidade funcional vivida.
Casos Reais Que Reconheceram o Direito
Embora muitas ações sobre acúmulo ou desvio de funções sejam indeferidas por falta de prova, alguns tribunais têm reconhecido o direito a diferenças salariais quando o trabalhador passa a exercer tarefas de maior complexidade, responsabilidade ou qualificação técnica do que aquelas previstas no contrato original. A seguir, dois exemplos reais que ilustram esse entendimento:
Caso 1 – TRT-4: Escriturário atuando como TI II e coordenador
No processo 0020011-16.2023.5.04.8018, julgado em 09/04/2025 pela 7ª Turma do TRT da 4ª Região, um trabalhador contratado como escriturário comprovou que passou a exercer, de forma habitual, funções típicas de um profissional de tecnologia da informação (TI II) e, além disso, atuava como coordenador de equipe em um sistema interno chamado API Manager.
Mesmo sem reclassificação formal, o tribunal reconheceu o desvio de função e deferiu as diferenças salariais devidas. Segundo o acórdão, o nível de responsabilidade assumido pelo trabalhador extrapolava o conteúdo ocupacional do cargo original, caracterizando uma novação objetiva do contrato, nos termos do art. 468 da CLT.
Caso 2 – TRT-4: Agente administrativo assumindo funções de assessoria e gestão
Já no processo 0020347-56.2024.5.04.0752, julgado em 09/04/2025 pela 1ª Turma do TRT da 4ª Região, uma trabalhadora contratada como agente administrativa passou a desempenhar atividades de assessoria jurídica e administrativa, além de realizar substituições rotineiras da chefia direta.
Com base em provas testemunhais e documentais, o tribunal reconheceu que houve o exercício de funções mais complexas e com maior grau de responsabilidade. Apesar da compatibilidade aparente entre as novas atividades e o cargo base, a mudança qualitativa das funções e a ausência de compensação justificaram a condenação ao pagamento do plus salarial.
Ambas as decisões reconheceram o direito a diferenças salariais com base na realidade funcional do trabalhador, ainda que não houvesse mudança formal de cargo. O ponto comum foi a presença de atividades que exigiam mais conhecimento técnico, responsabilidade e impacto gerencial.
Quando o Desvio Não Dá Direito a Nada?
Nem toda mudança de rotina no trabalho caracteriza desvio de função com direito a aumento salarial. Diversas decisões mostram que tarefas adicionais, por si só, não garantem o recebimento de diferenças salariais quando são compatíveis com o cargo contratado ou não representam maior responsabilidade técnica ou hierárquica.
Caso 1 – TRT-22: Eletricista fazendo manutenção de ar-condicionado
No processo 0000376-82.2024.5.22.0106, julgado em 2025 pela 2ª Turma do TRT da 22ª Região, um trabalhador contratado como eletricista passou a realizar também atividades de manutenção de ar-condicionado. Ele alegou acúmulo de funções e solicitou um adicional de 40% no salário.
O tribunal entendeu que as funções eram conexas e compatíveis entre si, não representando desvio ou aumento significativo de complexidade. Por isso, o pedido foi negado, inclusive quanto à rescisão indireta pretendida.
Caso 2 – TRT-23: Motorista fazendo carga, descarga e manutenção
Na ação 0000170-87.2024.5.23.0026, julgada em 2025 pela 2ª Turma do TRT da 23ª Região, um motorista alegou acúmulo de funções por também realizar carga e descarga de mercadorias, além de pequenas tarefas de manutenção.
A decisão destacou que as tarefas estavam dentro da rotina operacional esperada do cargo e que não exigiam maior qualificação ou grau de responsabilidade. Assim, o tribunal negou o pedido de adicional salarial por ausência de desvio contratual lesivo.
Caso 3 – TRT-2: Tarefas adicionais sob o poder diretivo do empregador
No processo 1001327-46.2022.5.02.0701, julgado em 2025 pela 14ª Turma do TRT da 2ª Região, uma trabalhadora alegou desvio funcional por acúmulo de tarefas não previstas inicialmente.
O pedido foi negado com base no entendimento de que as tarefas atribuídas estavam dentro do escopo de atribuições permitidas pelo poder diretivo do empregador, previsto no art. 456, parágrafo único, da CLT. Não havendo aumento substancial de responsabilidade ou exigência técnica, o tribunal concluiu que não havia direito ao plus salarial.
Esses casos reforçam que o simples aumento no volume de tarefas ou pequenas mudanças na rotina não são suficientes para caracterizar desvio de função. O que importa é se as novas atividades exigem algo além da função original: mais responsabilidade, conhecimento técnico ou autonomia.
Como Comprovar o Desvio de Função?
O reconhecimento judicial do desvio de função depende da prova efetiva de que o trabalhador desempenha tarefas além daquelas contratualmente previstas, com maior grau de complexidade, responsabilidade ou exigência técnica. Sem essa demonstração, os tribunais costumam entender que se trata apenas de tarefas compatíveis com o cargo.
As formas mais comuns de comprovar o desvio de função são:
- Documentos internos: e-mails, ordens de serviço, atas de reuniões ou qualquer registro que mostre atribuições superiores ou diferentes das habituais.
- Testemunhas: colegas de trabalho ou superiores que confirmem o desempenho de tarefas de maior responsabilidade.
- Descrição formal do cargo: quando disponível, permite confrontar as funções previstas com as realmente desempenhadas.
- Rotina prática: a habitualidade das novas tarefas também é fundamental. O desvio esporádico ou eventual costuma ser desconsiderado.
Para que a Justiça reconheça o direito ao recebimento de diferenças salariais, é importante demonstrar com clareza:
- Qual é a função contratada formalmente;
- Quais são as atividades atualmente exercidas, e como elas são mais complexas ou exigem maior responsabilidade;
- Que não houve aumento salarial correspondente às novas funções assumidas.
Quanto mais robusta for a prova do desvio, maiores são as chances de reconhecimento judicial e de recebimento das diferenças salariais retroativas.
Resumo: Você Pode Ganhar Mais Se…
O desvio de função não é reconhecido apenas porque o trabalhador está fazendo mais tarefas. Para que haja direito a diferenças salariais, é preciso que as novas funções representem um salto qualitativo em relação ao cargo contratado.
De forma objetiva, você pode ter direito a ganhar mais se:
- Está desempenhando funções mais complexas, técnicas ou com poder de comando;
- Executa, na prática, as atribuições de um cargo mais bem remunerado, ainda que não tenha sido promovido formalmente;
- Não houve ajuste contratual ou aumento proporcional de salário que reflita essa nova realidade funcional.
Por outro lado, simplesmente fazer mais tarefas, sem mudança na natureza e na exigência das funções, não é suficiente para configurar desvio. Os tribunais analisam se houve alteração real na responsabilidade, complexidade e impacto das atividades.
Em resumo: desvio de função não é sobre quantidade, mas sobre qualidade. E se essa qualidade aumentou sem a devida compensação, a Justiça pode reconhecer seu direito a receber a diferença.
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