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Por: redação Brazilian Will
21/05/2025, 06:00

Como Eram os Casamentos no Brasil Imperial

1. Introdução

Quando pensamos em casamento, logo vem à mente uma celebração de amor, união e companheirismo. Mas no Brasil Imperial, entre os anos de 1822 e 1889, o casamento ia muito além disso. Era, antes de tudo, uma instituição social, econômica, jurídica e profundamente religiosa.

Naquele período, não existia casamento civil. As uniões só eram reconhecidas se fossem celebradas dentro da Igreja Católica, que era a religião oficial do Estado segundo a Constituição de 1824. Isso só mudaria depois da Proclamação da República, com o Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, que instituiu oficialmente o casamento civil no Brasil.

Mas afinal, como as pessoas se casavam naquela época? O que era permitido? Quem não podia se casar oficialmente? E como essas regras afetavam diferentes grupos sociais, como as elites, os pobres, os escravizados e os não católicos?

Este artigo responde essas perguntas, trazendo uma visão clara, objetiva e historicamente fundamentada sobre como eram os casamentos no Brasil Imperial — sem romantizações, sem julgamentos e sem distorções.

2. O Casamento no Brasil Imperial: Uma Instituição Religiosa

Durante o Brasil Imperial, o casamento só tinha validade legal se fosse celebrado como sacramento pela Igreja Católica. Era a única forma de garantir efeitos civis, como direito à herança, legitimidade dos filhos e reconhecimento formal da união. O Estado brasileiro reconhecia exclusivamente os casamentos realizados sob o rito católico.

Essa exigência existia porque, segundo a Constituição de 1824, o catolicismo era a religião oficial do Estado. Isso estava expressamente determinado no artigo 5º da Carta Magna:

“A religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do templo.”

— Constituição do Império do Brasil, 1824, artigo 5º.

Na prática, quem não era católico — como protestantes, judeus ou membros de outras religiões — enfrentava restrições severas. Essas pessoas podiam viver em união, mas sem qualquer reconhecimento legal, ficando sem direitos civis garantidos aos casados formalmente, como herança, legitimidade dos filhos e proteção patrimonial.

O casamento, portanto, além de ser um rito religioso, também cumpria uma função civil fundamental: era a base para organizar as relações familiares, definir direitos e deveres entre os cônjuges, legitimar filhos e regular questões sucessórias no Brasil Imperial.

3. Casamento: Muito Além do Amor

3.1 Função Social e Econômica

Entre as elites do Brasil Imperial, o casamento não era motivado principalmente por amor ou afinidade pessoal, mas sim por interesses econômicos e sociais. Tratava-se de uma estratégia para garantir a manutenção de patrimônios, a formação de alianças políticas e a consolidação do prestígio familiar.

A prática do dote era comum e central nesse processo. A família da noiva oferecia bens, dinheiro, terras ou joias como parte do acordo matrimonial. Esse recurso funcionava como uma garantia financeira para a nova família que se formava, e, muitas vezes, era decisivo para que o casamento ocorresse.

De acordo com a historiadora Maria Beatriz Nizza da Silva, no livro “História da Família no Brasil” (São Paulo: Contexto, 1999), os casamentos entre as famílias mais abastadas eram essencialmente arranjos que visavam a preservação do patrimônio e a elevação social. A autora explica que essas uniões eram organizadas cuidadosamente, com critérios econômicos e sociais, e que o afeto, quando existia, era frequentemente consequência, e não causa, do casamento.

3.2 Casamento Popular

Nas camadas populares, o casamento assumia um caráter bem diferente. Embora a cerimônia religiosa fosse desejada por muitos, ela nem sempre se concretizava. Barreiras como custos, burocracia e a ausência de padres em áreas rurais faziam com que muitos casais optassem por uniões de fato, reconhecidas socialmente, mas não formalizadas pela Igreja ou pelo Estado.

Essas uniões, comuns entre trabalhadores rurais, pessoas pobres e populações afrodescendentes — especialmente ex-escravizados e seus descendentes —, tinham enorme valor simbólico e afetivo. A formalidade religiosa ou legal, para esses grupos, era frequentemente secundária frente às condições materiais e às dinâmicas comunitárias.

Como detalha a historiadora Mary Del Priore em “Histórias Íntimas: Sexualidade e Erotismo na História do Brasil” (São Paulo: Planeta, 2011), esse tipo de união era socialmente aceito dentro das comunidades, mesmo sem passar pelos ritos e registros oficiais. Ela explica que, para esses grupos, o mais importante era a formação do lar e da família, independente de um contrato formalizado pela Igreja Católica.

4. Quem Não Podia se Casar?

No Brasil Imperial, nem todos tinham acesso pleno ao casamento formal reconhecido pela Igreja e pelo Estado. As restrições não estavam necessariamente expressas em termos legais para todos os grupos, mas eram impostas por uma combinação de normas jurídicas, sociais, econômicas e religiosas.

Escravizados, por exemplo, não podiam se casar formalmente. A legislação não reconhecia pessoas escravizadas como sujeitos plenos de direitos civis, portanto, não havia possibilidade de casamento com efeitos legais. No entanto, muitos realizavam cerimônias religiosas ou simbólicas dentro das comunidades, algumas até com a bênção de padres, embora sem qualquer valor jurídico. Essas uniões tinham valor afetivo e social entre os próprios, mas não geravam efeitos como herança ou proteção legal.

Outro grupo que enfrentava barreiras eram os chamados filhos ilegítimos — aqueles nascidos fora do casamento — e os expostos, crianças abandonadas em instituições como a roda dos expostos. Embora não houvesse impedimento legal absoluto ao casamento, essas pessoas enfrentavam forte estigma social, que muitas vezes dificultava a aceitação por famílias que buscavam preservar prestígio, linhagem e patrimônio.

De acordo com o artigo “Estratégias Matrimoniais dos Expostos”, da historiadora Cristina Pompa, publicado na Revista História (Unesp) em 2009, esses indivíduos recorriam a estratégias específicas para se inserir no mercado matrimonial, como acumular bens, exercer ofícios respeitados ou buscar parceiros em condições sociais semelhantes.

Além disso, mulheres sem dote ou homens sem ofício definido também encontravam grandes dificuldades para contrair matrimônio, especialmente entre os grupos mais preocupados com a manutenção de status econômico e social. A ausência de dote, no caso das mulheres, frequentemente resultava em solteirice forçada, entrada na vida religiosa ou em uniões informais fora da proteção legal e religiosa.

5. Sem Divórcio, Sem Desfazer

No Brasil Imperial, o casamento era considerado indissolúvel tanto do ponto de vista religioso quanto jurídico. A legislação vigente era baseada nas Ordenações Filipinas, um conjunto de leis herdado de Portugal, que permaneceu em vigor no Brasil até a promulgação do Código Civil de 1916.

De acordo com essas ordenações, não existia a possibilidade de divórcio como é entendido atualmente. A única alternativa prevista em lei era a separação de corpos, que autorizava os cônjuges a viverem separados fisicamente, mas sem desfazer o vínculo matrimonial. Ou seja, mesmo separados, ambos permaneciam casados perante a Igreja e o Estado, impossibilitados de contrair novo matrimônio.

Essa separação de corpos podia ser concedida em situações específicas, como adultério, maus-tratos ou abandono, mas não encerrava o casamento — apenas suspendia a convivência obrigatória.

Uma exceção extremamente rara era a possibilidade de anulação do casamento pelo Vaticano, solicitada diretamente à Santa Sé. Esse processo era caro, burocrático e acessível praticamente apenas às elites, além de exigir comprovação de vícios no ato do matrimônio, como erro, coação ou impedimentos canônicos não observados na celebração.

Esse modelo, que vinculava o casamento à indissolubilidade, só começou a mudar com a Proclamação da República em 1889 e, principalmente, com o estabelecimento do casamento civil pelo Decreto nº 181 de 1890. Ainda assim, o divórcio pleno — com possibilidade de novo casamento — só seria aprovado no Brasil em 1977, quase um século depois do fim do Império.

6. Como Era a Cerimônia?

No Brasil Imperial, a cerimônia de casamento era exclusivamente religiosa, realizada segundo o rito da Igreja Católica. Ela normalmente acontecia na paróquia local, sendo conduzida por um sacerdote, já que o casamento, naquele período, era considerado um sacramento e não um ato civil.

O processo começava com a publicação dos proclamas, uma exigência formal em que o padre anunciava publicamente, durante três domingos consecutivos na missa, a intenção de casamento dos noivos. O objetivo dos proclamas era permitir que qualquer pessoa que soubesse de algum impedimento — como parentesco, compromisso anterior ou outro motivo previsto pelo direito canônico — pudesse se manifestar e impedir o matrimônio.

Durante a cerimônia, era obrigatória a presença de padrinhos, que tinham papel relevante não só no rito, mas também no aspecto social. Eles eram escolhidos com base na importância social ou familiar, funcionando como testemunhas e, simbolicamente, como apoiadores da nova família que se formava.

Após a cerimônia, as comemorações variavam muito de acordo com a classe social. Entre as elites, os casamentos eram acompanhados de grandes festas, banquetes e celebrações que podiam durar vários dias, marcando alianças econômicas e sociais. Já nas camadas populares, as comemorações eram bem mais simples, muitas vezes restritas a reuniões familiares ou pequenos encontros comunitários, quando havia condições para isso.

Esses detalhes são bem descritos pela historiadora Maria Beatriz Nizza da Silva, na obra “O Sistema de Casamento no Brasil Colonial” (São Paulo: Pioneira, 1985). A autora explica que, embora o livro trate do período colonial, o sistema permaneceu praticamente inalterado até a Proclamação da República, quando foi criado o casamento civil em 1890.

7. O Fim do Casamento Religioso Obrigatório

A partir da Proclamação da República em 1889, o Brasil iniciou um processo de separação entre Estado e Igreja. Uma das medidas mais significativas desse novo modelo foi a criação do casamento civil, formalizada pelo Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890.

Esse decreto estabeleceu que o casamento, a partir daquele momento, passava a ser um ato civil, laico e registrado perante o Estado. Embora as cerimônias religiosas continuassem existindo, elas passaram a ter valor apenas no âmbito da fé, não gerando mais efeitos legais por si só.

Com isso, pessoas que não eram católicas — como protestantes, judeus, ateus e adeptos de outras religiões — passaram a ter direito ao casamento reconhecido oficialmente, algo que antes era impossível sob a vigência da Constituição de 1824, que estabelecia o catolicismo como religião oficial do Império.

Apesar desse avanço, é importante destacar que o divórcio, entendido como a dissolução plena do vínculo matrimonial com possibilidade de novo casamento, só seria aprovado no Brasil em 1977, com a Emenda Constitucional nº 9. Até então, existia apenas a separação judicial, que encerrava as obrigações da convivência, mas mantinha o vínculo formal do matrimônio.

O texto completo do Decreto nº 181/1890 pode ser consultado na base de dados da Câmara dos Deputados, onde estão registrados seus artigos e dispositivos que definiram as formalidades do casamento civil no Brasil.

8. Considerações Finais

Ao observarmos como funcionavam os casamentos no Brasil Imperial, fica evidente que essa instituição refletia uma sociedade profundamente hierárquica, patriarcal, racista e religiosa. O casamento, mais do que uma união por afeto, era um instrumento de organização social, de controle moral e de preservação econômica, diretamente vinculado à Igreja Católica e às estruturas de poder da época.

Durante o Império, o acesso ao casamento formal estava condicionado a fatores como religião, classe social, cor, gênero e posição econômica. A introdução do casamento civil em 1890 representou um marco na transformação das relações civis no país, permitindo que indivíduos antes excluídos do sistema — como não católicos e pessoas de origens marginalizadas — pudessem formalizar suas uniões de forma legal e independente da autoridade religiosa.

Esse processo de transformação jurídica e social não ocorreu de forma imediata, nem completa. A própria possibilidade do divórcio pleno só se tornou realidade em 1977, revelando o quanto as estruturas legais carregaram, por muito tempo, os traços de um passado que limitava a liberdade individual e a igualdade civil.

Compreender a história do casamento no Brasil não é apenas um exercício de olhar para o passado. É, sobretudo, uma maneira de entender como construímos os direitos civis que hoje consideramos fundamentais — como o direito à liberdade de escolha, à igualdade perante a lei e à formação de famílias baseadas no afeto, e não mais na imposição religiosa, econômica ou social.

9. Referências

  • Constituição do Império do Brasil, de 1824. Documento histórico que estabelecia o catolicismo como religião oficial e vinculava o casamento ao rito religioso.
  • Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890. Documento que criou o casamento civil no Brasil, marcando oficialmente a separação entre Igreja e Estado no que se refere ao matrimônio.
  • Emenda Constitucional nº 9, de 1977. Norma que instituiu o divórcio no Brasil, permitindo a dissolução do casamento com possibilidade de novo matrimônio.
  • Ordenações Filipinas. Conjunto de leis de origem portuguesa, vigente no Brasil até 1916, que tratava, entre outros temas, do casamento, seus impedimentos e da indissolubilidade do matrimônio.
  • Maria Beatriz Nizza da SilvaO Sistema de Casamento no Brasil Colonial. São Paulo: Pioneira, 1985. Obra que detalha como funcionavam as regras e os ritos matrimoniais no período colonial, muitos dos quais se mantiveram durante o Império.
  • Maria Beatriz Nizza da SilvaHistória da Família no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. Livro que analisa as relações familiares, os papéis sociais e a função econômica do casamento na história do Brasil.
  • Mary Del PrioreHistórias Íntimas: Sexualidade e Erotismo na História do Brasil. São Paulo: Planeta, 2011. A obra oferece uma visão profunda sobre como as relações amorosas e as práticas matrimoniais se davam nas diferentes camadas sociais.
  • Cristina PompaEstratégias Matrimoniais dos Expostos. Publicado na Revista História (Unesp), edição de 2009. O artigo discute como pessoas marginalizadas socialmente, como filhos ilegítimos e expostos, buscavam se inserir no mercado matrimonial no Brasil Imperial.
  • Sidney ChalhoubVisões da Liberdade: Uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. Livro que aborda, entre outros temas, as relações familiares e as uniões entre pessoas escravizadas na sociedade brasileira do século XIX.


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