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Por: redação Brazilian Will
18/05/2025, 06:00

As Leis Mais Estranhas da História do Brasil

Introdução: Quando a Realidade Supera a Ficção

O Brasil é um país de dimensões continentais, culturas diversas e uma história jurídica que, em muitos momentos, desafia a lógica. Em meio a normas sérias e fundamentais para a vida em sociedade, também surgiram leis que beiram o absurdo — algumas por ingenuidade, outras por tentativas inusitadas de resolver problemas locais. Há ainda aquelas que, mesmo com boas intenções, acabaram virando curiosidades históricas.

Todas as leis e decretos apresentados neste artigo foram sancionados ou oficialmente propostos, e constam em registros documentais confiáveis. Algumas ainda estão em vigor, outras foram revogadas ou arquivadas, mas todas mostram como a legislação pode, às vezes, refletir de forma direta os costumes, os medos e as peculiaridades de cada época.

Este é um retrato curioso — e autêntico — da criatividade legislativa brasileira, que revela tanto a diversidade de problemas enfrentados pelo país quanto as formas inesperadas com que se tentou solucioná-los.

Leis que Realmente Foram Sancionadas

1. A Lei da Melancia Proibida (1894 – Rio Claro-SP)

Em 30 de novembro de 1894, a Câmara Municipal de Rio Claro, no interior de São Paulo, aprovou uma resolução proibindo a venda e o consumo de melancia na cidade. A justificativa, à época, era sanitária: acreditava-se que a fruta poderia contribuir para a transmissão de doenças como febre amarela e tifo, num cenário de surtos frequentes e conhecimento limitado sobre contaminação.

A norma permaneceu formalmente registrada nos arquivos legislativos do município por mais de 130 anos. Mesmo sem aplicação prática — já que os moradores continuaram consumindo melancia normalmente — ela nunca havia sido oficialmente revogada. Em 2025, após ganhar destaque na imprensa local, a Câmara Municipal iniciou o processo de revogação dessa curiosa lei do século XIX.

O caso foi documentado pelo Jornal Cidade de Rio Claro, que confirmou a existência do texto original e a tramitação para sua revogação.

2. Guerra aos Formigueiros (1965 – Rio Claro-SP)

Em 1965, a cidade de Rio Claro (SP) sancionou a Lei Municipal nº 967, que proibia os moradores de manterem formigueiros em imóveis ou terrenos localizados na zona urbana. A norma estabelecia que, caso fosse constatada a presença de um formigueiro, o responsável pelo local deveria eliminá-lo. O descumprimento acarretaria multa equivalente a 2,5% do salário mínimo vigente na época.

A legislação refletia preocupações comuns nos anos 1960 com a higiene urbana e o controle de pragas, especialmente em áreas residenciais. Apesar de ainda constar em repositórios legislativos do município, a lei é considerada obsoleta e deixou de ser aplicada com o passar do tempo.

3. Discoporto para ETs (1995 – Barra do Garças-MT)

Em 1995, o município de Barra do Garças (MT) sancionou a Lei Municipal nº 1.840, que previa a criação de um “discoporto” — um local destinado exclusivamente ao pouso de discos voadores e objetos voadores não identificados (OVNIs). A proposta reservava uma área de cinco hectares, localizada no alto da Serra do Roncador, para a construção do aeródromo ufológico.

O projeto foi aprovado durante a gestão do prefeito Wilmar Peres de Farias e teve grande repercussão nacional. Embora nunca tenha saído do papel, a lei foi sancionada com a justificativa de estimular o turismo e atrair visitantes interessados em fenômenos extraterrestres, tema que já despertava curiosidade na região.

A área continua existindo, mas o discoporto nunca foi construído. A norma permanece em vigor no município, ainda que sem aplicação prática.

4. Multa por Erros de Português (1997 – Pouso Alegre-MG)

Em 1997, o município de Pouso Alegre (MG) aprovou a Lei Municipal nº 3.306, que proibia a veiculação de faixas, cartazes, outdoors e outros materiais publicitários com erros gramaticais, ortográficos ou de concordância. A medida previa multa de R$ 100 para faixas e cartazes comuns, e R$ 500 para outdoors com textos incorretos.

A lei foi criada com o objetivo de valorizar a língua portuguesa e combater o que a gestão da época considerava um mau exemplo público, especialmente para crianças e jovens. Para ajudar os comerciantes, a prefeitura chegou a disponibilizar professoras de português para auxiliar na correção dos textos antes da divulgação.

A norma foi aplicada na cidade durante algum tempo, mas acabou sendo revogada anos depois, quando o município atualizou seu Código de Posturas e legislação sobre publicidade.

5. Escrita Legível Obrigatória (2018 – Sorocaba-SP)

Em 2018, a cidade de Sorocaba (SP) sancionou a Lei Municipal nº 11.706, que obriga profissionais da área da saúde — como médicos, dentistas e enfermeiros — a redigir de forma legível todos os registros, prontuários e prescrições entregues aos pacientes. A norma também determina que os estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, fixem placas informativas orientando os usuários sobre esse direito.

Entre as exigências previstas, está a afixação de cartazes com os dizeres: “Paciente, fique atento! A prescrição de medicamentos deve ser clara, legível e conter o nome genérico. Em caso de descumprimento, denuncie à Vigilância Sanitária.” A lei tem o objetivo de evitar erros no uso de medicamentos e garantir que o paciente compreenda as orientações recebidas.

A legislação permanece em vigor e integra as normas municipais de Sorocaba voltadas à segurança do paciente e à qualidade da informação em saúde.

6. Mochila no Peito, ou Multa! (2011 – Rio de Janeiro-RJ)

Em 2011, a cidade do Rio de Janeiro sancionou a Lei Municipal nº 5.553, que obriga a fixação de cartazes ou adesivos em elevadores de prédios comerciais e residenciais, orientando os usuários a carregarem mochilas à frente do corpo. A medida visa prevenir acidentes e transtornos causados por mochilas carregadas nas costas em espaços confinados.

A legislação determina que os responsáveis pelos edifícios devem afixar as orientações em local visível dentro dos elevadores. O descumprimento da norma implica em multa, com possibilidade de acréscimo em caso de reincidência.

A norma permanece em vigor e integra as regras municipais voltadas à segurança e à boa convivência em espaços coletivos.

7. Dia dos Ouvidores de Vozes (2021 – Ribeirão Preto-SP)

Em 2021, o município de Ribeirão Preto (SP) aprovou a Lei Municipal nº 14.609, que institui o “Dia de Reconhecimento dos Ouvidores de Vozes”, a ser celebrado anualmente em 14 de setembro. A data foi incluída no calendário oficial da cidade com o objetivo de promover ações de conscientização e combate ao estigma associado às pessoas que escutam vozes.

A iniciativa acompanha um movimento internacional voltado à inclusão e ao acolhimento de indivíduos que vivenciam esse tipo de experiência auditiva, comum em alguns transtornos mentais como a esquizofrenia, mas também presente em outros contextos clínicos e subjetivos.

A lei segue em vigor e pode servir como base para eventos públicos, debates e campanhas educativas que ampliem a compreensão sobre saúde mental e direitos das pessoas afetadas.

Leis que Existiram, Mas Foram Rápidas ou Inaplicáveis

8. "Façam Filhos!" – Proibição de Anticoncepcionais (1997 – Bocaiúva do Sul-PR)

Em 1997, o então prefeito de Bocaiúva do Sul (PR), Élcio Berti, sancionou o Decreto Municipal nº 82 com uma proposta extremamente controversa: proibir a venda de camisinhas e anticoncepcionais no município. A medida buscava estimular o crescimento populacional da cidade, que contava com cerca de 9 mil habitantes, com o objetivo de aumentar os repasses de recursos estaduais e federais — baseados em critérios demográficos.

A repercussão foi imediata e negativa. Após forte reação da população e da mídia, o decreto foi revogado pelo próprio prefeito no dia seguinte à sua publicação. A norma nunca chegou a ser aplicada e ficou conhecida como um dos casos mais inusitados da história recente da legislação municipal brasileira.

9. Minissaia Proibida (2007 – Aparecida-SP)

Em 2007, o então prefeito de Aparecida (SP), José Luiz Rodrigues — apelidado de “Zé Louquinho” — sancionou uma lei que proibia o uso de minissaias por mulheres na cidade. A justificativa oficial era preservar os “bons costumes”, especialmente devido ao perfil religioso do município, conhecido nacionalmente como centro de peregrinação católica.

A medida causou polêmica imediata. Em protesto, grupos de mulheres se reuniram em frente à prefeitura usando minissaias ainda mais curtas. O episódio ganhou repercussão nacional e foi criticado por violar liberdades individuais. Diante da pressão popular e jurídica, a lei acabou não sendo aplicada e logo caiu em desuso.

10. Máscaras no Carnaval, Nunca! (2009 – São Luís-MA)

Durante o Carnaval de 2009, a Prefeitura de São Luís (MA) determinou a proibição do uso de máscaras que cobrissem o rosto inteiro em espaços públicos. A medida foi instituída por meio de uma portaria da Secretaria Municipal de Segurança com Cidadania e visava coibir crimes praticados por pessoas disfarçadas, dificultando a identificação de suspeitos pelas forças de segurança.

A decisão afetou diretamente uma tradição local: os “fofões”, personagens mascarados típicos do Carnaval maranhense, que foram impedidos de circular pelas ruas com suas fantasias completas. A medida gerou controvérsia entre foliões, artistas e defensores da cultura popular.

A portaria teve validade apenas naquele Carnaval e não foi renovada nos anos seguintes. Desde então, não há registro de nova tentativa semelhante no município.

Projetos de Lei Surreais (Mas Reais)

11. Proibição de Nomes Humanos para Pets (2004 – Câmara dos Deputados)

Em 2004, o deputado federal Pastor Reinaldo (PTB-RS) apresentou o Projeto de Lei nº 4.197, que propunha proibir o uso de nomes próprios de pessoas em animais de estimação. A justificativa era evitar constrangimentos e preservar a dignidade humana, especialmente de crianças que eventualmente se sentissem ofendidas por ter o mesmo nome de um cachorro, gato ou outro animal doméstico.

A proposta abrangia todos os tipos de animais, incluindo silvestres e exóticos, e sugeria multa para os tutores que desrespeitassem a norma, além de recolhimento do animal até a regularização do nome. O projeto teve repercussão negativa e foi amplamente criticado por interferir em liberdades pessoais.

Após a reação desfavorável, o próprio autor pediu o arquivamento da proposta ainda no mesmo ano. O projeto nunca foi aprovado e não chegou a virar lei.

12. Proibição de Chuvas, Raios e Trovões (2007 – Aparecida-SP)

Em 2007, o prefeito de Aparecida (SP), José Luiz Rodrigues, propôs à Câmara Municipal um projeto de lei que proibia a ocorrência de fenômenos naturais como chuvas fortes, trovões, raios e ventos no território da cidade. A proposta, naturalmente, não tinha caráter técnico viável e foi apresentada como uma resposta irônica às cobranças feitas pelos vereadores após alagamentos provocados por temporais.

Segundo o próprio prefeito, a ideia era “mandar um recado para São Pedro” e simbolizar o fato de que os fenômenos da natureza estão além do controle do poder público. O caso ganhou ampla repercussão nacional e passou a ser lembrado como um exemplo de sarcasmo legislativo transformado em proposta oficial.

O projeto nunca foi aprovado e não chegou a virar lei, mas consta nos registros do município como uma das propostas mais inusitadas já formalizadas.

O Que Essas Leis Dizem Sobre o Brasil?

As leis e projetos apresentados aqui, embora pareçam anedóticos à primeira vista, revelam muito sobre o Brasil em diferentes momentos da sua história. Algumas surgiram de contextos específicos — como surtos de doenças, mudanças urbanas ou pressões políticas — e buscavam soluções, mesmo que desproporcionais. Outras refletem o autoritarismo travestido de zelo moral, e há ainda aquelas que escancaram o folclore legislativo, onde o exagero e o simbolismo superam a razoabilidade.

O fato de leis tão improváveis terem sido propostas, sancionadas — e em alguns casos, realmente aplicadas — mostra como o processo legislativo pode ser usado não apenas para organizar a vida em sociedade, mas também como ferramenta política, palco de vaidades ou expressão de crenças particulares. Muitas vezes, o absurdo não está só no conteúdo da norma, mas na falta de limites, filtros ou equilíbrio institucional.

Esses episódios convidam à reflexão: o que estamos normatizando, com que propósito e com qual responsabilidade? A função da lei vai além de responder a demandas imediatas — ela também molda comportamentos, projeta valores e estabelece o que uma sociedade entende por justo, necessário ou possível. Leis absurdas, portanto, não são apenas curiosidades: elas nos dizem algo sobre quem somos, como pensamos e até onde o poder público deve ir.

Conclusão: Entre o Cômico e o Crítico

Ao longo deste artigo, vimos que o Brasil já produziu leis que beiram o inacreditável — e todas elas, em algum momento, foram propostas, sancionadas ou aplicadas de fato. Por mais cômicas que possam parecer, essas normas existiram no papel oficial e carregam consigo as marcas do tempo, das ideias e das circunstâncias em que surgiram.

Rir dessas leis é quase inevitável, mas compreendê-las é ainda mais importante. Cada uma, à sua maneira, revela tensões culturais, improvisações políticas ou tentativas de lidar com problemas reais de formas nem sempre eficazes. Ao olhar para essas histórias, exercitamos não só o senso de humor, mas também o senso crítico sobre como as leis afetam o cotidiano e refletem a sociedade.

E você? Qual dessas leis achou mais absurda? Compartilha este artigo com alguém e descubra quais dessas histórias também surpreendem outros leitores.

Referências