O Que se Passa na Mente de Quem Tem Ansiedade
1. Introdução
A ansiedade nem sempre começa com um pensamento claro. Às vezes, ela aparece como um aperto no peito, um mal-estar sem explicação ou uma vontade súbita de fugir de tudo — mesmo quando, racionalmente, nada parece tão grave.
Por trás dessas reações, quase sempre existem padrões de pensamento automáticos que reforçam o medo, o desconforto e a antecipação do pior. Eles podem ser sutis, silenciosos e até inconscientes — mas influenciam diretamente como nos sentimos e nos comportamos.
Neste artigo, você vai entender quais são os pensamentos mais comuns em pessoas ansiosas, por que eles surgem e como identificá-los, com base na psicologia cognitivo-comportamental — reunindo contribuições de autores clássicos internacionais e especialistas brasileiros em saúde mental.
2. O que são pensamentos automáticos?
Pensamentos automáticos são ideias que surgem de forma rápida, espontânea e muitas vezes sem que a gente perceba. Eles não passam por uma análise racional — simplesmente aparecem, influenciando nossas emoções e comportamentos quase instantaneamente.
Em pessoas ansiosas, esses pensamentos tendem a ser negativos, distorcidos e guiados pelo medo. Mesmo quando não são totalmente verdadeiros, eles soam reais, porque vêm carregados de emoção.
De acordo com o psiquiatra Aaron Beck, criador da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), esses pensamentos automáticos se originam de esquemas mentais — estruturas internas que formamos ao longo da vida e que moldam a forma como interpretamos o mundo.
Já a psicóloga brasileira Adriana Fóz complementa dizendo que o cérebro constrói “atalhos emocionais” para responder rapidamente a situações que parecem ameaçadoras. Quando não questionamos esses atalhos, eles acabam se tornando verdades absolutas — mesmo que sejam baseados apenas em medo ou insegurança.
3. Os 7 padrões de pensamento ansioso mais comuns
3.1 Catastrofização
A catastrofização é o hábito de imaginar, automaticamente, o pior cenário possível diante de qualquer situação. Mesmo quando não há sinais concretos de perigo, a mente ansiosa projeta uma tragédia iminente.
Esse padrão alimenta o medo e paralisa a ação. É como se qualquer erro, atraso ou sinal de desconforto significasse que algo muito grave está prestes a acontecer.
Frases típicas:
- “Vai dar tudo errado.”
- “E se eu não conseguir?”
- “Não vou aguentar.”
De acordo com Aaron Beck, esse tipo de pensamento surge de esquemas mentais rígidos baseados em medo e insegurança. O psicólogo Robert Leahy, especialista em ansiedade, também destaca que a catastrofização distorce a percepção da realidade, levando a interpretações extremas e desproporcionais.
Já a psiquiatra brasileira Ana Beatriz Barbosa Silva ressalta que a mente ansiosa “antecipa dores que talvez nunca venham”, ampliando o sofrimento e encobrindo possibilidades reais de solução.
3.2 Leitura mental
Leitura mental é o nome dado ao hábito de acreditar que sabemos o que os outros estão pensando — e, quase sempre, assumir que é algo negativo. A mente ansiosa interpreta olhares, silêncios ou gestos como críticas, rejeições ou julgamentos, mesmo sem qualquer evidência.
Esse padrão é especialmente comum em pessoas com ansiedade social, e pode gerar comportamentos de evitação, retraimento ou autoanulação.
Frases típicas:
- “Eles estão me julgando.”
- “Devem achar que sou um fracasso.”
- “Todo mundo percebeu que estou nervoso.”
De acordo com o psicólogo Richard Heimberg, referência internacional em ansiedade social, esse tipo de pensamento automático distorce a forma como a pessoa se vê em relação aos outros — gerando uma percepção constante de ameaça e desaprovação.
No contexto brasileiro, o psiquiatra Joel Rennó Jr. destaca que esse padrão é frequente entre pessoas com baixa autoestima e insegurança interpessoal. Ele observa que a leitura mental ansiosa costuma afetar profundamente as relações sociais, criando um ciclo de medo e isolamento.
3.3 Intolerância à incerteza
A intolerância à incerteza é a dificuldade — ou mesmo a incapacidade — de lidar com situações imprevisíveis ou fora de controle. A mente ansiosa exige garantias, tenta prever todos os cenários e se desespera diante da menor possibilidade de dúvida.
Esse padrão está no centro do transtorno de ansiedade generalizada (TAG), segundo os psicólogos Michel Dugas e Robert Koerner, que identificaram como a necessidade de certeza pode se tornar paralisante.
Frases típicas:
- “E se acontecer algo que eu não previ?”
- “Preciso ter certeza.”
- “Não posso arriscar.”
No Brasil, a psicóloga Marilda Lipp, especialista em estresse e ansiedade, aponta que viver em estado constante de vigilância e antecipação ativa sintomas físicos como tensão muscular, insônia e irritabilidade — além de esgotar a mente e afetar a qualidade de vida.
3.4 Supergeneralização
Na supergeneralização, a pessoa transforma um evento negativo isolado em uma regra absoluta sobre si mesma ou sobre o mundo. Um erro vira prova de incapacidade. Uma falha se torna um retrato definitivo de quem a pessoa acredita ser.
Esse tipo de pensamento é comum em quadros de ansiedade e baixa autoestima, e costuma impedir a pessoa de tentar novamente, alimentando a desistência e a autodepreciação.
Frases típicas:
- “Sempre dá errado.”
- “Nunca consigo.”
- “Tudo comigo é mais difícil.”
De acordo com David Burns e Judith Beck, esse é um dos padrões mais prejudiciais da distorção cognitiva. Ele ignora todas as exceções e reduz a identidade da pessoa a um único evento.
A psicóloga brasileira Adriana Fóz explica que essa forma de pensar reforça uma identidade negativa internalizada, que paralisa a ação e impede a pessoa de enxergar suas próprias conquistas e possibilidades.
3.5 Hipervigilância corporal
A hipervigilância corporal ocorre quando a pessoa ansiosa se torna excessivamente atenta às sensações físicas do próprio corpo — interpretando qualquer alteração como sinal de que algo muito grave está para acontecer.
Esse padrão é muito comum em crises de ansiedade e no transtorno do pânico, como descreve o psicólogo David Clark. Batimentos acelerados, tontura ou formigamento são interpretados como sinais de infarto, desmaio iminente ou perda de controle.
Frases típicas:
- “Essa dor é um infarto.”
- “Meu coração está disparado — vou morrer.”
- “E se eu desmaiar aqui?”
A psicóloga brasileira Marilda Lipp destaca que, muitas vezes, o corpo “fala” a ansiedade antes mesmo de o pensamento consciente surgir. O desconforto físico pode ser o primeiro alerta de que há uma tensão emocional não reconhecida.
3.6 Autocrítica excessiva
A autocrítica excessiva é o hábito de julgar a si mesmo com dureza desproporcional, mesmo diante de pequenos erros ou falhas comuns. A pessoa não se permite falhar, erra e imediatamente se culpa, se diminui ou se ataca internamente.
Esse padrão está frequentemente presente em transtornos de ansiedade e depressão, segundo Aaron Beck e Robert Leahy. Ele mina a autoestima e reforça uma visão distorcida de incompetência e inadequação.
Frases típicas:
- “Eu sou um fracasso.”
- “Nada do que eu faço presta.”
- “Sempre estrago tudo.”
O psiquiatra brasileiro Joel Rennó Jr. observa que esse padrão de pensamento atinge especialmente mulheres em contexto de sobrecarga emocional, exigência interna e múltiplas responsabilidades. A autocrítica se torna uma forma crônica de punição emocional.
3.7 Responsabilidade inflada
A responsabilidade inflada é o padrão de pensamento no qual a pessoa sente que tudo depende exclusivamente dela — e que qualquer erro de sua parte pode causar consequências graves para si ou para os outros.
Esse tipo de distorção é comum em transtornos como o TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) e também na ansiedade generalizada, segundo o psicólogo Paul Salkovskis, um dos principais estudiosos da relação entre responsabilidade e ansiedade.
Frases típicas:
- “Se eu errar, alguém vai se machucar.”
- “Eu não posso esquecer nada.”
- “Tudo depende de mim.”
A Associação Brasileira de Terapias Cognitivas (ABTC) ressalta que identificar esse tipo de pensamento é essencial para distinguir entre uma responsabilidade real e uma culpa imaginada. Aprender a fazer essa separação ajuda a reduzir a ansiedade e a restaurar o equilíbrio emocional.
4. Quando o pensamento não vem em forma de frase
Nem todo pensamento ansioso aparece como uma frase clara e verbalizada. Em muitos casos, ele se manifesta de forma indireta, silenciosa ou até corporal — dificultando a identificação consciente.
Esses pensamentos podem surgir como:
- Sensações vagas, como pressentimentos, inquietação ou tensão inexplicável;
- Imagens mentais negativas, que aparecem de repente e provocam medo ou mal-estar;
- Comportamentos automáticos, como evitar lugares, pessoas ou situações, sem entender exatamente o motivo.
O psicanalista brasileiro Christian Dunker afirma que “o sintoma fala onde a linguagem falha” — e a ansiedade, muitas vezes, se expressa nos silêncios, nos gestos repetidos e nos desconfortos que o pensamento consciente ainda não conseguiu nomear.
Por isso, prestar atenção ao corpo, aos impulsos e às reações emocionais é um caminho essencial para começar a compreender os padrões ansiosos que atuam por trás das palavras.
5. Por que reconhecer esses padrões faz diferença
Identificar os pensamentos automáticos é o primeiro passo para sair do ciclo da ansiedade. Quando conseguimos perceber o que está por trás do medo, temos a chance de interromper a repetição automática que nos mantém presos ao sofrimento.
Esse ciclo costuma seguir o seguinte padrão:
- Pensamento → surge de forma automática e distorcida;
- Emoção → o pensamento gera medo, culpa, insegurança;
- Ação → o comportamento se adapta ao medo (evita, foge, se retrai);
- Reforço → a mente entende que o pensamento era verdadeiro e repete o padrão.
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) trabalha justamente para quebrar esse ciclo, ensinando a questionar pensamentos distorcidos e substituí-los por interpretações mais equilibradas e baseadas na realidade.
Como explica a psicóloga Adriana Fóz, o cérebro pode ser “reeducado” com prática. Ao identificar, refletir e reformular esses pensamentos, é possível transformar o padrão emocional que antes parecia automático e inevitável.
6. Conclusão: Você não é seus pensamentos — você é quem os observa
Todos nós temos pensamentos distorcidos de vez em quando. Mas quem vive com ansiedade costuma estar tão imerso neles que já não percebe que são apenas pensamentos — não verdades absolutas.
Observar, nomear e compreender esses padrões muda tudo. É nesse momento que começa o processo de transformação interior. Quando você reconhece o que está por trás da ansiedade, ela perde força.
Isso não significa “pensar positivo”, mas sim pensar com consciência e verdade. É sair do piloto automático e começar a questionar aquilo que a mente repete há anos, sem provas.
Se for possível, procure acompanhamento terapêutico. Um bom processo terapêutico ajuda a enxergar o que antes só era sentido — e abre espaço para viver com mais leveza, clareza e autonomia.
7. Referências
Autores nacionais:
- Fóz, Adriana – Mude seu cérebro, mude sua vida com a TCC. Artmed.
- Silva, Ana Beatriz Barbosa – Mentes Ansiosas. Fontanar.
- Lipp, Marilda – Estresse e Qualidade de Vida no Trabalho. Papirus.
- Rennó Jr., Joel – Entrevistas e artigos acadêmicos publicados pela USP.
- ABTC – Associação Brasileira de Terapias Cognitivas. abtc.org.br
- Dunker, Christian – Mal-Estar, Sofrimento e Sintoma. Boitempo.
Autores internacionais:
- Beck, Aaron T. – Cognitive Therapy of Anxiety Disorders.
- Burns, David – Feeling Good.
- Leahy, Robert – The Worry Cure.
- Dugas, Michel – Cognitive-Behavioral Treatment for Generalized Anxiety Disorder.
- Heimberg, Richard – Social Phobia: Diagnosis, Assessment, and Treatment.
- Clark, David – Modelos cognitivos do pânico e aplicações da TCC.
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